03 setembro 2014

Sinto Falta de Te Chorar


Até me considero uma pessoa de choro fácil. Choro com um bom livro, a ver um filme, às vezes até com vídeos de bebes no youtube. Mas sinto falta de te chorar. Choro-te pouco. Não chorei no dia do teu funeral. Lembro-me de tudo nesse dia. Lembro-me de todos os que estiveram ao meu lado, os que vieram de longe, os que estiveram sempre por perto. Lembro-me de tudo e lembro-me que não te chorei. Distribuíram-se cartões com uma fotografia tua. Com o teu melhor sorriso, uma foto do dia em que nasceu o João Maria. Fui eu que escolhi a tua fotografia. O texto no cartão também fui eu que o escrevi. Fui eu que distribuí os cartões quase todos. Não aceitei muito bem que chorassem no teu funeral. Com que direito te choravam não estando eu a chorar? Escolhi o teu melhor sorriso para que todos guardassem essa recordação. Gostava de ter visto todos a sorrirem-te de volta, em forma de agradecimento por te terem conhecido. Houve coro na missa. Cantou-se no teu funeral. Leram-se orações em teu nome. Devias-me ter visto. Eu a ler no teu funeral, sem chorar. Também li na missa de 7º dia. E na missa de 1º mês.

Acredito mesmo que o céu existe. Não penso muito nisso mas sei que é onde estás e só por isso já é um lugar bom. Quando morre alguém teu conhecido imagino o vosso reencontro. Um abraço no céu. Morreu a prima Graça. Não sei se te lembras dela, mas em oração pedi-te que a recebesses de braços abertos. Ajudou-te a nascer e dizia-me muitas vezes "o teu irmão nasceu muito grande, com quase 4kg". A seguir ficava a olhar-me em silêncio, sem saber se tinha feito bem em falar-me no meu irmão. As pessoas à minha volta ficaram muito tempo sem utilizar as palavras "morte", "morreu". Algumas frases ficavam a meio "isso foi antes do teu irmão (silêncio)" "isso aconteceu depois do acidente do teu irmão". Tive muitas vezes vontade de gritar ao mundo: o meu irmão morreu. Não está mais aqui comigo. Nunca o fiz. Na verdade a mim também me custava muito dizê-lo. Ainda custa.

Chorei muito na missa da prima Graça, chorei compulsivamente. Os funerais são ótimos sítios para se chorar. Ninguém estranha. Ninguém nos pergunta o que se passa. A certa altura apeteceu-me ter uma placa comigo a dizer "estou a chorar também pelo meu irmão". Chorei também pela dor dos familiares mais próximos, porque sei exatamente aquilo que vão passar nos dias que se seguem ao funeral. Aprender a viver. Aprender a viver sem a presença de algúem que gostamos muito, que faz parte de nós, que faz parte da nossa vida e da forma como sempre a vivemos. Aprender que o tempo ajuda-nos a aceitar mas as saudades aumentam.
 
Quase 9 anos sem te ver. Mais de três mil dias de mim sem ti. Foram tão poucos os dias que te chorei, mas não houve um só que não me lembrasse de ti, e daquilo que éramos um com o outro. Fazes-me falta. Vejo nos teus sobrinhos bocadinhos de ti. O João Maria tem o teu feitio, o Pedrinho o teu sorriso, o Zé Maria por enquanto tem as tuas birras. Tão bom rever-te neles. A mãe e o pai também procuram neles muitas semelhanças contigo.

Estou diferente. Estou mais velha. Passaram 9 anos. Como vai ser quando nos reencontrarmos? Os anos também passam no céu?

28 abril 2014

Afinal, amanha devia ser sábado

Chegou o bom tempo. O pai trabalha mais. Todos os anos, olhando para as horas que a agricultura nos rouba nestes meses quentes, penso "vamos ficar ricos". Mas ainda não vai ser este ano. Nestes três dias de descanso só vimos o pai ao almoço e ao jantar. É bom estar com eles mas também é tão cansativo. No sábado fomos ao cinema, pensei que ia dormir uma sesta. Enganei-me. Pipocas, agua, casa de banho, pipocas. Portaram-se mal. Achei que não devia ralhar. Continuaram a portar-se mal até à hora do jantar. Só acalmaram com o banho e com a chegada do pai. Domingo, maratona de festas de anos. Vestir, pôr no carro, comprar presentes, tirar do carro, pôr no carro. Só um se está a portar mal. Uma festa na Azoia. Outra na Chamusca. O pai está no campo. Este inverno tiro a carta de trator, para poder trocar alguns fins‑de‑semana com ele. Amanha é segunda. Que bom!
 
Às vezes penso que devia ter outro filho. Sou boa nisto. Sou feliz no meio do cansaço e da confusão deles. Portam-se mal. São meigos. São meus. São lindos. São também teus. Três sobrinhos.
Domingo, 22:00. Chegamos a casa. O bebe ZM dorme. Os outros estão zombies.
Afinal, amanha devia ser sábado.

Pedro Miguel Beja de Jesus Costa

N 08.04.1983 / F 13.09.2005