18 agosto 2016

Pai, só agora?

Em casa com eles o dia todo, ou fora com eles o dia todo, é sempre com muito ansiedade que aguardo pelo final do dia, a hora que o pai chega e que agora com os dias mais pequenos nem sempre é dia. Como já o disse aqui, num Inverno destes tiro a carta de tractor só para trocar alguns fins-de-semana com o pai. Eu no campo. Ele em casa, ou fora, com eles o dia todo.

Quando ouvimos o carro chegar ou sentimos a porta a abrir, sorrimos. Eles normalmente correm para o abraço do pai. Eu fico a observa-los aos 4 e a pensar se não deveria juntar-me também à corrida e em segredo dizer-lhe o quanto gosto dele e o quanto preciso da sua ajuda "descalça-te, vai tomar banho e põe a mesa que eu estou a terminar o jantar". O Zinho chega a casa muitas vezes exausto, a pensar num banho e no sofá mas acredito que também sinta alguma inveja das horas que passo a mais com os filhos dos dois. Zinho, chamo-lhe assim há muitos anos como diminutivo de amorzinho, ui piroseira da boa! mas Zinho ainda é um diminutivo, agora Jinha, como ele me chama a mim, vem de onde? nunca entendi. 

Agricultor produtor de tomate, há 18 dias sem folgas, apenas duas tardes fantásticas no Baleal, fora de casa quase todos os dias mais do dobro do que a lei permite. Eu, de intervalo entre 2 empregos, há 35 dias consecutivos de férias com 3 filhos de 05, 08 e 11, um cão e uma avó que nos ajuda muito. Ah, nestes 35 dias já estive uma tarde sozinha em Lisboa (passadas 2 horas estava farta), e o jantar de aniversário da Joana seguido de um gin num terraço com vista para a cidade menina e moça. Lisboa está uma cidade fantástica, não está?

O pai entra finalmente em casa pela porta da cozinha e ainda antes de a fechar chama por mim e começamos logo a conversar. E eu à medida que lhe vou respondendo sei que o que dizemos um ao outro fica muito além do que ambos estamos a pensar.

Zinho: Jinha, cheguei!
(outra vez com o biquini vestido? que bela vida, eu de botas no campo a apanhar pó e tu em casa na boa vida, haja alguém que use a piscina desta casa)

Eu: Zinhooooooo, até que enfim! Só agora? Deves estar exausto.
(como sabes que estou em casa e não tens de os ir buscar à avó abusas e apareces a estas horas! ou isso ou entraste com o carro devagarinho para eu não te ouvir e tens estado escondido no quintal a usar o nosso wi-fi e a ver o feed de notícias do facebook há mais de meia hora)

Zinho: estou cheio de fome, o que é o jantar?
(em casa o dia todo, com certeza não me vais apresentar outra vez frango assado).

Eu: Está quase! Leva-os contigo para o banho enquanto eu termino o jantar. 
(deves pensar que é fácil decidir 2 refeições por dia e confecciona-las, queres trocar?)

Zinho: OK
(é preciso ter lata, eu que chego a casa a esta hora ainda tenho de lhes dar banho? só falta mandares-me também fazer o jantar)
Como correu o dia? Eles portaram-se bem? O que fizeram?

Eu: Nada de especial. Andámos por aí.
(é melhor não saberes que o Kiki hoje me chamou motherfxxx, não quero parecer queixinhas e sei que o Kiki não fez por mal, ele nem sabe inglês. Para além de que vais logo dizer que a culpa é minha porque os deixo ver youtubers a mais, mas experimenta tu ficar com eles um dia inteiro a ver se não lhes passas logo o tablet para as mãos)

E é basicamente isto. Uma conversa de final de dia que não será muito diferente das conversas de tantas outras famílias mais ou menos parecidas com a nossa. Faltam duas semanas para as minhas férias terminarem e sei que se tudo correr bem, tão cedo não tenho tanto tempo com eles e vou rapidamente ficar com saudades deste mês de Agosto. Agora o que mais quero, para além do início das aulas e de voltar rapidamente a fazer parte da população activa, é que o resto continue tudo como está. Eu com eles, muitas e mais horas. O pai e o Zinho a chegar. Os três a correr para o seu abraço.

Eu a observar. Eu a sorrir com a certeza que isto é muito mais do que alguma vez imaginei.

08 agosto 2016

O Coração da Melancia

Sempre que abro uma melancia lembro-me da mesa da cozinha da D. Eugénia. E com a memória das melancias que vi abrirem-se nessa mesa, vem uma série de outras memórias desse tempo não menos coloridas e saborosas. Recordo a forma como o Hugo e a Sílvia, meus amigos e netos da D. Eugénia disputavam o centro da melancia, ao qual chamavam coração. Acho que nunca mais ouvi ninguém falar no coração da melancia. E chamavam-lhe o coração não por estar ao centro, mas por ser a melhor parte e a mais cobiçada por todos os que sentavam à volta da mesa. E eu que na altura nem gostava muito de melancia, ficava sentada a vê-los saborearem cada dentada e a pensar que todos preferiam o coração por ser mais doce e não ter pevides.

Brinquei tanto na casa da D. Eugénia. Eu morava perto e almoçava depressa para poder ir ter com eles o mais breve possível. Passávamos juntos grande parte das férias de Verão. Eu, a Sílvia, o Hugo, a Lurdes, a Vera, a Beta, a Sofia e tantos outros, não perdi o rasto de quase nenhum, e claro o Tio Pedro. Os irmãos mais novos tinham obrigatoriamente de andar connosco, as mães assim o obrigavam. Nas suas bicicletas mais pequenas tinham de pedalar o dobro para não nos perderem de vista. "Podes ir, mas levas o teu irmão" e eu levava, e pedalava depressa e ele pedalava atrás de mim, e caso deixasse de o ver, disfarçadamente desacelerava e esperava por ele.

Três meses de férias na rua, alguns dias de praia com os pais, e às vezes na praia a convite dos pais dos amigos. Sempre felizes a brincar na rua onde crescemos, em casa dos amigos, dos vizinhos, dos avós dos amigos, dos que tinham piscinas ou tanques. "Ai filha não vás já para a rua, faz aqui uma sestinha com a avó" e a minha avó fechava as janelas todas, a casa ficava escura, fresca e em silêncio e eu escapava me para casa da Sílvia e do Hugo e para o coração da melancia na cozinha da D. Eugénia.

A D. Eugénia vivia numa casa que nas férias de verão recebia três meninos que vinham de Lisboa, e era mesmo assim que lhe achávamos, os meninos de Lisboa, porque nos anos 70/80 os meninos de Lisboa não eram iguais aos meninos da Portela das Padeiras, ou do casal da Besteira (nome que eu sempre detestei). Quer dizer, não eram iguais no dia em que chegavam com as cassetes novas de bandas que nunca tínhamos ouvido falar, mas passados 2 ou 3 dias, e de já termos juntos decorado todas as asneiras das letras dos Peste e Sida, já éramos todos muito iguais. 

Aqui há uns anos em Lisboa, numa reunião de trabalho, encontrei um desses meninos de Lisboa. Encontrei a Marta, com o mesmo sorriso e olhos grandes. E de repente ali estávamos, passados tantos anos, iguais. Iguais nas memórias e iguais ao que éramos e em segundos eu vi nos olhos grandes da Marta o coração da melancia na mesa da cozinha da D. Eugénia, ouvi as cassetes e nós a cantar, cheirei as cestas dos nossos piqueniques, refresquei-me nos banhos do tanque e ri-me com as bolas de água e serradura que atirámos para um muro alto de um vizinho e que o tivemos de limpar no dia a seguir.

Hoje de férias em Agosto, em casa com os meus, o coração da melancia é quase sempre para mim, e enquanto lhes preparo 3 taças e lhes tiro as pevides, penso em todas as memórias doces que guardo da mesa da cozinha da D. Eugénia.

12 maio 2016

Só pode ser muito bom aí chegar. E ficar.

Quero acreditar que o Céu está em festa.
Quero acreditar que os amigos se encontram e se reconhecem no Céu.
Quero acreditar que vamos ter todo o tempo do mundo, ou melhor, toda a eternidade do Céu para pôr as gargalhadas em dia. 
Quero acreditar que a vida e a morte, tal como o Céu e a terra são dos maiores mistérios e que um não existe sem o outro. Nem vida sem morte, nem terra sem Céu. 
Quero acreditar que da mesma forma que se festeja a vida na terra, celebra-se a morte no Céu, ainda que celebração e morte não apareçam por definição na mesma frase.
Quero que acreditem que os familiares e amigos que vos viram partir sentiram saudade desde o primeiro instante e que revejo neles bocadinhos de vós, que com cada um ficou uma peça do puzzle da vossa vida e que um dia todas as peças juntas vão voltar a fazer sentido. 
Quero que acreditem que a vossa partida nos divide a vida em dois, um antes e um depois.
Quero que nos ajudem a aceitar e a continuar.


Quero a ti pedir-te que me faças perder o medo e acreditar que com tantos amigos no Céu só pode ser muito bom aí chegar.
E ficar.

Até já.
Mana


05 maio 2016

Conselhos da Tua Tia


Conselhos da tua tia, mãe (dos teus primos), amiga e ex-universitária (vá! Não foi assim há tanto tempo, foi exatamente há 20 anos! Até vamos ter um almoço comemorativo este ano) para ti, universitária de 1@ viagem:

Telefona à mãe todos os dias
Ao pai e aos avós, menos mas telefona também
Para mim uma mensagem de vez em quando chega, mas sempre antes das 22:00, porque à hora que tu estiveres a jantar já eu estou de pijama a esborrachar o meu sofá e a ver Luanda através da Única Mulher (mentira! Eu vejo o Mar Salgado)
Não abuses do telemóvel! Não o uses nas aulas nem em jantares e lembra te que ficar sem bateria não é o pior do mundo, há coisas bem piores (por exemplo ter bateria mas não ter rede nem saldo)
Convida amigos de fora para virem passar o fim‑de‑semana contigo a casa, vais ter colegas de longe, alguns até das ilhas, que não vão poder ir a casa com a mesma frequência que tu vens
Não venhas todos os fins de semana a casa
Faz amigos novos
Não te esqueças dos antigos
Arranja de vez em quando um trabalho, vai haver coisas onde apenas te vai saber bem gastar o teu dinheiro
Poupa
Faz pelo menos uma viagem por ano
Inscreve te no programa Erasmus (Escolhe um país longe e de preferência com uma cultura diferente da nossa, se puderes vai para fora da Europa)
Convive com os alunos estrangeiros, acolhe os bem e faz programas com eles
Não dividas boleias com ninguém, nem táxis! Nem toda a gente pode saber onde moras, é perigoso (lembras te daquele filme que se passa em Paris? Eu lembro me mas não não me consigo lembrar do nome)
Não faças diretas! Dormir faz muita falta, principalmente a ti
Cuidado com a bebida, principalmente a branca (está mais do que provado que os adultos não precisam de beber leite)
Não adoeças, cuida de ti, mas se adoeceres vai ao médico
Aprende a cozinhar
Não sobrecarregues a tua irmã e não lhe dês preocupações! Faz lhe companhia e divide as tarefas de casa com ela, és uma sortuda por a teres aí contigo
Não abuses do café
Nem da coca cola
Nem de outras coisas terminadas em "ina"
Não abuses das aspas
Fala direto
Protege te a ti e à tua privacidade
Namora
Gosta
Não leves para casa desconhecidos
Nem amimais de rua perdidos, a tua irmã pode ser alérgica
Diverte te
Ri
Chora
Estou aqui! Beijo! Tita
(estuda)
(Escrito para a Tita a 15 setembro 2015, a caminho do seu primeiro ano de estudante fora de casa)

28 abril 2016

Prazo de validade?

Esta semana fui a uma espécie de entrevista de emprego. Digo uma espécie porque na realidade não existia bem uma vaga de emprego e eu mesmo sabendo que não existia ainda assim fui. Há a possibilidade de vir a existir uma vaga de emprego num futuro mais ou menos próximo que poderá vir a ser para alguém com um perfil mais ou menos como eu.

Moveu-me a curiosidade que tinha de conhecer o espaço e principalmente a vontade de voltar a estar no lugar de entrevistada à procura de um emprego por iniciativa minha e não por um convite de alguém que já me conhecia. Deparei-me nesse dia com o facto de estar, numa situação semelhante, pela primeira vez diante de alguém mais novo que eu. A idade dos 40 (e eu ainda nem estou lá) traz-nos a certeza de que a idade conta e conta mesmo quando não conta para nós. Não que tenha contado nesta entrevista ou que tenha sido um fator positivo ou negativo, apenas me deixou a pensar nisso: a idade conta. A data de nascimento é um campo obrigatório em todos os documentos de identificação e sempre que o calendário repete essa data somamos um ano aos que já temos: a idade conta e não o digo num sentido pejorativo.

Os anos pesam em medidas diferentes para os que estão abaixo ou acima de nós. Até uma certa idade conhecemos muito mais pessoas mais velhas e a partir de determinada altura começamos a conhecer muito mais pessoas mais novas e esse marco deve estar mesmo muito próximo dos dígitos quatro e  zero, por esta ordem assim ao lado um do outro sem qualquer espaço entre si. À semelhança de um bem consumível tudo à nossa volta parece querer impor-nos um prazo de validade para cada passo que damos: sair, beber, fumar, namorar, casar, ter o 1º filho, o 2º, o 3º e por aí em diante. Haverá limites para um número de filhos a partir do qual deixam de nos perguntar pelo próximo? Acredito que a partir de uma certa idade deixem de perguntar. Ou quando comentamos que temos um familiar doente e nos preparam com sentenças de morte anunciadas, como se a morte precisasse da idade para se anunciar, que é melhor prepararmo-nos porque nessa idade não se esperam outras melhoras.

De tudo o que a idade me traz e leva, lembra e faz por esquecer, segura e desequilibra, tenho a comunicar-lhe que tenciono fazer tudo aquilo a que me proponho sem lhe pedir autorização e talvez até sem apresentar documento de identificação.

O tempo não pára, diz a Mariza numa canção que eu não gosto, mas em dias como o de hoje adoro relembrar a surpresa deste dueto num concerto do Rui Veloso que eu tive a sorte de presenciar. Oiçam-nos aqui.

Pedro Miguel Beja de Jesus Costa

N 08.04.1983 / F 13.09.2005